quarta-feira, 11 de março de 2020

À deriva


Há exatos 3 anos (156 semanas) a previsão do mercado para o PIB do ano de 2021 permanece no patamar de 2,5%. Ou seja, há exatos 3 anos o mercado não identificou nenhuma razão para julgar que o PIB brasileiro de 2021 poderá ser maior ou menor do que a última estimativa registrada. Melhor dizendo, há exatos 3 anos a política econômica (pensada, praticada ou desejada) não produz nenhuma alteração de perspectiva no mercado.
O fato acima descrito pode ser confirmado com a leitura do Boletim Focus divulgado em 06/03/2020 (relatório completo disponível para acesso na internet, no endereço https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200306.pdf).
O Boletim Focus é um relatório que o Banco Central publica contendo a compilação das expectativas de diversos agentes econômicos que são popularmente chamados de mercado. Os dados deste boletim têm por base pesquisa semanal feita pela autoridade monetária junto a estes agentes.
E o que a estagnação por 3 anos na estimativa do mercado para o PIB nos revela?
Bem, além desta pergunta, surgem necessariamente outras duas: 1) Há política econômica em curso no Brasil cujos efeitos possam influenciar o nível de atividade econômica e, consequentemente, o PIB? 2) O mercado está preocupado em analisar os efeitos da política econômica em curso e mensurar os seus reflexos na atividade econômica?
Lamentavelmente, as respostas possíveis para estas questões são negativas. Não, não há política econômica relevante em curso no Brasil. E, não, não há interesse do mercado em mensurar os efeitos da política econômica sobre a atividade.
Pois é, o número de 2,5% para o PIB de 2021 não passa de uma estimativa pró-forma, para cumprir tabela, ilusória, enganadora, um chute...
Isto é ruim. Mas a realidade é ainda pior.
Até agora, nem mesmo os recentes e dramáticos eventos econômicos mundiais têm tido reflexos nas estimativas do mercado para o PIB brasileiro. E, claro, também não têm provocado nenhuma reação dos responsáveis pela condução da política econômica, que não mudam o já desfigurado discurso de reformas…
Reformas?
Vendidas para o grande público como medidas de salvação da economia nacional, o que se viu até agora não está nada em linha com o anunciado. Ao contrário. A reforma trabalhista suprimiu direitos históricos, reduziu remunerações, criou subclasses de trabalhadores, atacou a organização sindical e, obviamente, prejudicou a capacidade de organização dos trabalhadores que já estavam organizados e impôs novos obstáculos à organização daqueles que jamais estiveram organizados. Mas não gerou os empregos anunciados. A reforma previdenciária também suprimiu direitos, achatou a renda de aposentados (renda destinada quase que integralmente ao consumo e, portanto, geradora de atividade econômica) e ameaça impedir que uma grande parcela de trabalhadores jamais alcance a situação de aposentado, o que será um confisco de parte de sua renda, pois é possível que muitos contribuam para a previdência social e nunca venham a receber algum provento de aposentadoria em contrapartida.
A reforma tributária não passa de uma piada que mexeria com os grandes interesses do mercado e, por isso, não sai do lugar.
E a reforma administrativa que está sendo gestada pretende amordaçar os servidores públicos e evitar denúncias e investigações de irregularidades praticadas no andar superior da administração pública. Vale lembrar que o combate à corrupção até então realizado só foi possível porque ainda existem garantias que permitem que servidores públicos denunciem e investiguem atos irregulares na aplicação dos recursos públicos e no uso da máquina pública. E, claro, vale lembrar também que medidas de combate à corrupção são conduzidas por servidores públicos.
Mas voltemos ao PIB.
Pois bem, se não há política econômica com efeitos relevantes sobre a atividade, e se o mercado não tem estimativas também relevantes para o nível de atividade econômica, nosso PIB está à deriva, ao sabor dos ventos vindos de outras bandas.
O pior desta constatação é que o PIB é apenas uma ferramenta estatística que mede a realidade. E o que de fato está à deriva é o destino de toda a população que vive, trabalha e tenta planejar seu futuro em nosso país.