Viro pra lá
viro pra cá
mas nada vejo
A calma aparente
à luz do fim do dia
Entretanto
a sensação de vigilância
está nas ruas
Há poucos carros
pouca gente
pouca vida
Há muitas portas bem fechadas
E janelas sem ninguém
também trancadas
e cerradas com cortinas
A cidade
e sua estranha dimensão
atemporal
Dirijo lento
e me perturba um pensamento
(algo invisível invadindo
cada esquina e cada rua
e cada ponto de contato)
Os sinaleiros sem malabaristas
nem vendedores de balinhas
e o silêncio
sem motores
nem buzinas
muitas vagas pra parar
As calçadas quase às moscas
mas não sinto solidão
(alguém me espera)
Apresso o passo
olho ao redor e me examino
ao cruzar a Generoso
e temer o que não vejo
(e saber que ninguém vê
este meu périplo)
Não há ninguém
Nem mesmo as pombas
nem as putas
gigolôs
nem pedintes
traficantes
nem os guardas do palácio
nem as vozes que anunciam
almoço a seis reais
E o tamanho do vazio
me parece incalculável
quando dobro
a esquina da curvinha
sem sequer cheiro de mijo
O mercado do chinês está aberto
(eu nem sei se ele é chinês)
mas seu público é nenhum
e somente o segurança
anda fora
dos balcões
(o seu olhar desconfiado
acompanha-me de longe
afinal toda distância
há de ser mais
que ciência)
Eu compro pão
E novamente cruzo a Generoso
abro o portão da galeria
hoje mais fria e só vazia
Falo de longe com meus pais
sem dar abraços
(ai meus ais)
e deixo o pão
e me despeço
(a mãe me olhando
o olhar comprido e lacrimoso
esse também contagioso
e que contraio
e levo junto)
O tempo não se põe em quarentena
e a todos marca
um dia a mais e um dia a menos